Plantar cana no Pantanal é inviável, dizem usineiros

Produtores de açúcar e etanol não têm interesse em cultivar cana-de-açúcar em ecossistemas protegidos

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Setor sucroalcooleiro passou por grave crise nos últimos anos e tem espaço para crescer. Foto: Valdenir Rezende

O presidente Jair Bolsonaro revogou o Zoneamento Agroecológico da Cana-de-Açúcar (ZAE Cana), por meio do Decreto nº 10.084. A regulamentação servia para estabelecer normas para o financiamento público ao setor sucroalcooleiro nas áreas de vegetação nativa, reservas indígenas, Pantanal, Bacia do Alto Paraguai (BAP) e Amazônia.

Com a revogação do decreto, especulou-se sobre o plantio nas áreas protegidas. Representantes do setor garantem que não há viabilidade para o plantio no Pantanal. De acordo com o presidente da Associação de Produtores de Bioenergia de Mato grosso do Sul (Biosul), Roberto Hollanda Filho, mesmo com a revogação do Decreto nº 6.961, de 2009, a implantação de novas usinas está submetida ao Código Florestal Brasileiro e zoneamento estadual (ZEE), que garantem a proteção dos biomas.

“A principal mudança é que foi facilitado o investimento em áreas antes não permitidas. É importante que fique claro que a revogação do decreto não implica nenhum aumento de área disponível nem nenhuma permissividade ambiental. De 2009, quando o decreto foi instaurado, para cá, foram lançados outros meios mais modernos e eficientes de controle e monitoramento, como o Código Florestal, que é a lei federal que rege todos os empreendimentos do agronegócio e é o mais restritivo do mundo. Hoje, você tem satélites e outros instrumentos por meio dos quais você tem que disciplinar o crescimento ou a evolução do setor. Em seguida, você tem a lei estadual, que não somente fiscaliza a implementação, como também monitora a operação dos empreendimentos. Todas as unidades precisam com frequência apresentar monitoramentos de solo, água, ar, flora e fauna, existe todo esse acompanhamento”, explicou Hollanda Filho.

Outro instrumento de fiscalização citado pelo presidente da Biosul é o Renova Bio, uma política de Estado que objetiva traçar uma estratégia conjunta para reconhecer o papel estratégico de todos os tipos de biocombustíveis na matriz energética brasileira. “O programa, na prática, premia a sustentabilidade, e quanto mais eficientes e sustentáveis as empresas forem, melhor para elas. Qualquer empresa que desmate, por exemplo, está fora. O programa é um indutor de eficiência, a usina que foi certificada vai ter uma nota, ele incentiva que você seja cada dia mais eficiente e sustentável, e quando você chega esse patamar você baixa o seu custo e o preço para o consumidor baixa consequentemente. O Renova Bio já é uma lei e passa a valer dia 24 de janeiro”, disse o presidente da Biosul.

PANTANAL

Desde a publicação da revogação, atos públicos foram realizados em Campo Grande contra o decreto presidencial. Movimentos protestam contra a possível instalação de usinas na região do Pantanal. O presidente da Biosul explica que é importante reforçar que o setor não tem interesse em plantar nessas áreas. “Primeiro, que a revogação não quer dizer aumento de área. Com a revogação, desburocratizou para que possam vir investimentos. Mas você não pode plantar um hectare de cana, ela é perecível e precisa estar próxima a uma indústria. Então, se você quiser abrir uma empresa lá antes de fazer o investimento, tanto o Estado quanto o investidor estão preocupados com a mesma coisa, que é a sustentabilidade. Se você tem um projeto de uma usina para lá [Pantanal], você vai submeter ao Estado, fazer um estudo de impactos ambientais e atender a uma série de pré-requisitos para que o investidor fique seguro e coloque centenas de bilhões de reais em um projeto. Se houver qualquer risco, nenhum investidor vai querer investir, nem o Estado vai permitir. Você não vai esconder uma indústria, vários hectares de cana sem ninguém saber. O governo acertou com a revogação do decreto e não fragiliza de forma nenhuma a questão ambiental. Porque se fragilizasse eu não queria. É importante que a verdade seja dita: não vai ter cana na Amazônia e não vai ter cana no Pantanal”, contextualizou Hollanda Filho.

O diretor da TCH Gestão Agrícola, José Trevelin Júnior, explica que é totalmente inviável plantar no Pantanal sul-mato-grossense. “É um absurdo. Técnica e economicamente, é totalmente inviável. Impossível essa cultura se viabilizar no Pantanal, por questões agronômicas e de logística”, apontou o engenheiro agrônomo.

Para o diretor-executivo da Organização não Governamental (ONG) Ecoa, Alcides Faria, com a revogação, cai toda uma construção com base na Ciência e considerando os interesses econômicos e ambientais do Brasil. “Econômicos na medida em que força a cana a se expandir por territórios já ocupados, por áreas com solos degradados pela pecuária. Do ponto de vista ambiental, a chegada da cana na Amazônia forçará o desmatamento. O processo em geral é o seguinte: a cana ocupa áreas de gado, o gado busca novas áreas virgens, florestadas. No Pantanal, os agro-químicos utilizados intensivamente na cana trarão danos irreversíveis para os ecossistemas que aportarem os empreendimentos sucroalcooleiros. Na década de 80, já se tinha planejado a construção de uma grande usina no Pantanal, a sociedade reagiu e foi aprovada a Lei Estadual nº 328/82. Onde fica proibida a instalação de destilaria de álcool ou de usina de açúcar e similares na área do Pantanal. O que se deve ter em conta é que a cana pode avançar no Pantanal, como avançou o arroz – com drenagens – e a soja. Em outras regiões, a cana disputa territórios com a soja, um indicativo do que pode acontecer na planície pantaneira”, informou.

SETOR NÃO PROJETA CRESCIMENTO PARA ESSE ANO

Os representantes do setor sucroalcooleiro do Estado explicam que, no momento, não projetam crescimento. De acordo com o presidente da Biosul, Roberto Hollanda Filho, o setor passou por uma grave crise e hoje o desafio é se manter. “Hoje, o setor não tem nenhum projeto de expansão em Mato Grosso do Sul. A gente tem um horizonte positivo. O governo federal lançou o programa Renova Bio, que pode demandar o crescimento no setor. No entanto, a gente tem saído de uma crise severa e não temos projeto de crescimento. Estamos comemorando continuar do mesmo tamanho. Perdemos usinas e muitos empregos no período”.

Para o engenheiro agrônomo José Trevelin Júnior, a revogação muda muito pouco para os produtores. “Hoje, temos capacidade ociosa dentro do parque de unidades industriais existentes e pouco interesse na ampliação de novas unidades. Acredito apenas, a princípio, no retorno de áreas onde unidades reduziram área ou paralisaram atividades. Portanto, não em áreas novas”, reforça Trevelin Júnior. Com Correio do Estado

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