Polícia Civil vai investigar círculo social de menina morta

Objetivo é descobrir mudanças de comportamento na escola ou família

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Responsável pelo caso, a delegada Allana Mariele Mazaro Zarelli e sua equipe iniciaram nesta terça-feira (19) a colheita dos depoimentos da escola onde a menina estudava. A meta é descobrir se houve mudanças de comportamento nos últimos dias ou semanas para tentar traçar a justificativa de, ao menos, a menina pegar a arma de fogo.

Por questões de respeito, apenas amigos dos pais e familiares que não tinham contato diário com a criança serão ouvidos. Há o entendimento de que não é necessário expor colegas de sala, pai e mãe da menina, por conta da situação ser considerada muito traumática.

Até quarta (20), um outro objetivo é recriar o ambiente de domingo, quando aconteceu o fato, para entender a dinâmica dos fatos. Para isso, amigos do casal que estavam na casa, em uma visita, serão ouvidos. "Ela estava assistindo desenho animado na televisão e ficou irritada, disse que a conversa (dos adultos) estava atrapalhando. Com isso correu para o quarto com um celular", disse. A mãe tomou o aparelho da criança na sequência.

Foi depois disso o disparo. “Ela manuseou a arma para ter certeza de que estava carregada. Ela puxou a pistola e chegou a expelir uma munição”, disse a delegada. A mãe relatou à polícia que a família tinha passado por um domingo normal e, à noite, depois de assistir TV, a criança tomou banho, foi para o quarto sozinha e em seguida houve o disparo.

A polícia espera agora pela autorização da Justiça para averiguar celular e computador da jovem. O objetivo da polícia é verificar os dispositivos usados pela vítima para entender se, de alguma forma, ela foi incentivada por terceiros.

"São várias linhas de investigação", disse Allana, referindo-se especificamente a uma hipótese de que o disparo foi acidental.

Os peritos já iniciaram a averiguação de um caderno usado pela jovem como diário. Os resultados preliminares são mantidos em sigilo.

A arma ficava guardada em uma gaveta, sem estar trancada. Mãe e pai afirmaram no depoimento inicial que nunca ensinaram a menina a usar a arma.

Regulação social

Para Aline Reis, professora da cadeira de Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, a sequência de casos evidencia um problema chamado na área como a dificuldade das novas gerações em encontrar estratégias saudáveis de regulação social. Ou seja, buscar meios saudáveis de solucionar e superar frustrações pessoais da vida.

O diagnóstico foi obtido justamente após pesquisas com crianças e adolescentes, que, segundo a especialista, "não tem desenvolvimento cerebral maduro o suficiente" para entender as consequências daquilo que estão fazendo.

De forma resumida, crianças e adolescente estão cada vez mais afastado de um convívio social saudável para buscar soluções práticas aos problemas e meios eficazes de superar adversidades e frustações. E as respostas não são tão saudáveis, como a auto mutilação e o suicídio.

"O que chamamos de estratégia permanente (o suicídio) para problemas passageiros. É a falta de dimensão do que significa aquele ato com um problema solucionável a curto ou médio prazo", explicou a professora da UFMS.

Armas, bullying e exemplos: Receita da tragédia

Claro que a psicóloga se refere a um quadro habitual do cotidiano. E que o cenário pós-tragédia de Suzano agrava, e muito, as coisas. Ainda mais se a criança possui fácil acesso às armas, como a filha do PM.

Pesquisas feitas por Aline apontam que meninas buscam mais o suicídio que os meninos. Porém são eles que conseguem os resultados práticos, pois buscam a forma mais letal, as armas de fogo, em comparação com overdoses de remédios e afins usados por elas.

"Se a gente pensar que arma de fogo está disponível, acessivo, isso é extremamente negativo. O cérebro do adolescente tem dificuldade em adiar a gratificação, em esperar que algo venha a acontecer, como também a busca de solução imediata e um comportamento mais impulsivo, por si só desenvolvimento cerebral tem dificuldade de controlar os impulsos", explicou a professora. "A existência de uma arma pode desencadear uma tragédia."

E se falta a coragem, casos como de Suzano podem sir serem exemplos de motivação para a consumação do ato. Os especialistas concordam que é quase impossível de não se trazer esses casos a público, pela brutalidade e comoção que geram. E nisso que os pais precisam prestar atenção.

A professora destaca que principalmente os adolescentes são mais irritadiços. E que mudanças de comportamento não são apenas com os sintomas habituais clássicos de depressão, como tristeza, choro e perda de interesse na rotina. Aparecem muito mais na forma de irritabilidade. Muito fácil de serem confundidas com questões clássicas e habituais dos dilemas da adolescência.

"O adolescente pede ajuda, a nossa sociedade, nossa cultura tem promovido a rivalidade, a questão do ser o melhor, um corpo saudável, perfeito, a gente vê um ensejo para que o bullying aconteça. Quem não se enquadra ou se encaixa na aparência, forma física, inteligência, tende a uma certa intolerância na conjuntura atual da sociedade, de promover a intolerância em várias formas", completou a professora Aline.

Por isso, mais uma vez responsáveis pelos círculos sociais do jovem, como escola e família, devem ficar atentos com casos de maior isolamento entre jogos e o mundo virtual que com as interações sociais. Geralmente a família tende a considerar normal e até saudável a presença do adolescente em seus domínios, não distingue o isolamento, o pouco tempo junto e sua vida em uma realidade paralela, sem detectar o problema em curso. Como no caso de Suzano, onde imagens tiradas de fóruns que incentivam o suicídio entre jovens mostram eles sendo cultuados pelo tiroteio promovido.

"Não é uma questão apenas de confiança, de dizer para não mexer nas armas da casa, é necessário cumprir as regras, de armazenamento, de segurança, cofres, separar a munição. Um caso grave como essa gera empatia a jovens que esteja sofrendo", resumiu o coronel aposentado da PM paulista José Vicente da Silva, secretário nacional da Segurança Pública na gestão Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

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